Com os meus botões...


Penso sobre as opções de brincadeira que minha filha tem hoje, e terá pelos próximos anos de infância, e lembro da minha época de criança e de como eu criava o meu mundo...

...e fico na torcida para que ela possa e saiba brincar, se divertir, ser feliz no mundo dela, e que consiga se manter da melhor forma possível nesse mundo "de gente grande" que nos engole.

Para demonstrar o que eu teria a dizer sobre esses assuntos, tomo emprestado um texto escrito por Luiz Guilherme Piva, e que reflete - e muito - o que penso, sinto e senti....

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Com os meus botões
O videogame é muito superior ao futebol de botão. Mas tem uma inferioridade que é crucial. Quando se joga sozinho, o outro time não está sob controle. Tem técnica, tática e recursos próprios – e pode nos vencer, às vezes de forma humilhante. Num campeonato, nosso time pode ficar lá na rabeira.
No botão, não.
Sozinho, ali só ocorre o que a gente quer. Jogadas, faltas, resultados, classificações, escalações dos adversários, narração, comentários, gritos e canções da torcida, entrevistas pós-jogo, decisões da federação e dos tribunais, tudo que envolva o futebol está sob o domínio do jogador e sua palheta.
Não há jogo que se compare a tal combinação de engenho, prazer e poder. Quem a experimentou nunca mais a tira da memória.
Esses dias mesmo, naqueles minutos entre a vigília e o sono em que muitas coisas ficam confusas – mas em que outras ficam claras como um gozo ou uma dor –, me vieram límpidos praticamente todos os jogadores dos meus times de botão.
Vi um a um os seus rostos. As traves. As hastes dos goleiros. O Estrelão, que era o mundo inteiro.
Senti as tardes quentes e o chão frio do terraço. Vi e ouvi a mim, sozinho, conduzindo com a palheta e a voz a minha história e o destino de tudo.
Até o Moto Club, que eu montei colando nos botões os nomes recortados da Placar, estava de novo, glorioso, perfilado frente aos meus olhos.
Com ele, ganhei todos os torneios nacionais e internacionais. Todos os amistosos. Nunca experimentei uma derrota. Um de seus jogadores, que escolhi para camisa dez, o Soares, bateu todos os recordes de gols e passes que um jogador possa querer (embora sempre a menos do que o Pelé, porque tudo no futebol, até na imaginação infinita do senhor do céu e da terra de um jogador de botão, tem esse limite).
Como para mim não havia mais nada no mundo que importasse, o Universo era o jogo de botão.
E quem o regia era eu. Quem decidia tudo era eu. A sorte de todos. Quem perdia (os outros) e quem ganhava (eu).
Por muito tempo, por isso, eu pensei que eu fosse Deus.
Hoje, mais maduro, sei que estava enganado.
Eu era a Fifa.

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Luiz Guilherme Piva publicou “Eram todos camisa dez” (pela Editora Iluminuras).               
..e este texto foi publicado no blog do Juca Kfouri, em 06/06/15 (dia em que nasci).





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